Enquanto
Ema Bovary vivia fantasias de amor pelo interessado rapaz, eu vivia também o
suspense que aquela situação estava causando em mim, que me perdoe Gustave Flaubert,
mas eu tinha que fazer alguma coisa. De certa forma, me agradava as sensações
que Ema vivenciava; nada de rotineiro, nada de doses corretas daquele casamento
morno, apenas sonhos de ser feliz para sempre com o tal do príncipe encantado,
que por simples capricho da natureza feminina ainda não encontrado em seu
marido, médico dedicado e envolvido com a comunidade.
O
que fazer com os sentimentos pitorescamente românticos que surgem na mulher em
sua carência afetiva. Romantismo este advindo de sua vivência ingênua, somente
limitada a casa, àquele mundo de quatro paredes em pleno século XIX. Também
culpa de um tempo em que o homem de senso prático, pouco atentava pela
necessidade da mulher de ser reconhecida como sujeito que deseja ardentemente
ser amado, desejado, ser inteiramente mulher.
Claro
que o lapso do capricho da natureza feminina deva ser explicitado. A mulher
desde tempos remotos se coloca como aquela que se submete às autoridades do
masculino e devido à fragilidade de seu corpo frente aos perigos vê a proteção
como um compromisso do provedor... que ainda costuma puxá-la pelos cabelos.
Mas
como interferir nos sentimentos que Ema vem vivenciando, todos de uma
característica nunca antes imaginada em relação ao seu casamento? Será o
proibido capaz de dar-lhe tais dimensões? Ou é apenas o ímpeto feminino
querendo aflorar sua libido massacrada desde tempos antigos?
Onde
está o marido que nem se apercebe de sua presença, intensamente feminina e de
índole docemente romântica. Enquanto isso, eu vejo Ema vivenciar suas fantasias
sem capacidade de pensar o lado racional das coisas. E claro, com a escolha
feita de modo egoísta, sem a clareza de como aquela situação interferirá em seu
ambiente familiar.
A
cada encontro novos lances de sensações indescritíveis, movimentos que
interligam mente e corpo numa amplitude capaz de cegá-la à comum realidade.
Prazeres desejados e vivenciados e reconhecidos apenas naqueles instantes. Como
simples presentes, dados de modo interesseiro pelo galanteador, são capazes de
tirar-lhe o senso necessário? Como suas carências não reconhecem as regras a
que está sujeita?
Eis
que chega a resposta de um prazer vivenciado em apenas um dos lados – o
emocional. Encontra-se angustiada, o prazer e o desejo inconsequentes dos
primeiros tempos transformam-se agora em tragédia familiar. O marido descobre a
aventura amorosa e num momento de fraqueza, suicida-se. Eis agora a mulher e a
filha sozinhas sem nenhum responsável pelo sustento. Ela agoniza já consciente
de seus atos mesquinhos e provocativos e a dimensão que tomaram. Definha até a morte
e deixa a filha sozinha, responsável por uma conta que não era dela, sujeitada
à pobreza e necessidades.
Mas
o que eu poderia fazer? Ema viveu o que teve que viver. Flaubert estava
querendo nos dizer algo e conseguiu: nenhum prazer vale a pena se existe um
outro a quem magoamos. O prazer fundamental é o do conhecimento de si mesmo (a),
onde as escolhas são feitas de modo racional e emocional em harmonia, em
condições de equilíbrio, pois experimentar isso significa maturidade e nesses
casos; o prazer e a emoção são compensadores por estarem livres de agonia e
tragédia.
LIVRO: MADAME BOVARY - Flaubert, Gustave
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