domingo, 18 de março de 2012

DESNUDAR-SE

   Dando continuidade ao tema do amor, me lembro de um artigo que muito me marcou e não esqueci sua essência. O autor descrevia uma relação verdadeira, em termos de maturidade, principalmente para aqueles que estão na fase do envelhecimento... Como continuar a sentir o amor na maturidade... 


   Ele escreveu que o importante era "se aquele corpo te afeta" levando-se em conta a questão do corpo e na questão do ser "a ponto de você conseguir desnudar-se". Muito intensa a reflexão... Por isso percebemos como é difícil essa tal arte de amar... Se entregar por inteiro e estar desnudo é algo extremamente corajoso... E poucos se lançam a essa aventura com medo do que possa acontecer no futuro quanto às ameaças (imaginadas!); o fim (possível!); o estar na mão do outro (os jogos!...). Com medo desse enfrentamento... Falta a coragem de viver o amor maduro.


   É tão estranho imaginar que uma pessoa que tenha passado dos cinquenta anos de idade, ainda tenha tantos medos de vivenciar verdadeiramente o amor, despido de preconceitos, com o verdadeiro companheirismo e, que, no fundo, é desejo de ambos (o homem e a mulher).


   Lendo o livro Português: Linguagens, 2005, Cereja, William C., Magalhães, Thereza C., pág. 20, tinha um exercício, uma carta escrita por Olavo Bilac para um amor não correspondido, com a norma padrão da época. Muito interessante. Então, vasculhando a rede, achei uma carta de autora anônima, na linguagem do nosso tempo, que também, tentou expressar, , através do seu "eu lírico" (a personagem do texto) a sua inconformidade com o sofrimento amoroso e a idealização do parceiro: 
"... Carta de amor
Querido,
   Creio que não vai estranhar o que escrevo aqui, já que está acostumado às minhas constantes anotações. Portanto, de certa forma já é esperado.
   Estamos vivenciando uma nova experiência, essa que não se espera dos casais que são felizes no casamento. O divórcio sempre é algo doloroso e por mais que seja uma solicitação de um dos cônjuges, traz muita angústia e tristeza, pois estão envolvidos além de nós, os nossos filhos. Gostaríamos que eles não sofressem, mas também não podemos desistir de viver a nossa própria vida de forma satisfatória.
   Espero que você tenha compreendido o meu pedido. Ele  é o resultado de muitos anos de incompletude na relação a dois.
   Você diz que me ama. Não aceito um amor tão comum, tão sem atração, tão sem demonstração, tão pobre. Merecemos mais. Sou romântica, sim. E a falta do romantismo me fez ir perdendo a esperança de nossa relação ser mais inteira, substanciosa, integral e compartilhada. Quando aconteceu? Não tem data certa, vem de cotidianos imodificáveis; de posturas não adotadas; de palavras não ditas; da falta usual do diálogo e da discussão da nossa relação visando o crescimento.
   Eu sempre pedi isso tudo aí que reclamo. Você fez ouvidos moucos. Quando falava sobre isso, nunca percebi nenhum interesse seu em mudanças. Você sempre só diz: "Eu sou assim e não vou mudar."
   Mas mudança é transformação para melhor, não entendo a sua resistência em permanecer tal qual é, numa atitude que mais parece covarde por não haver tentativas que agradem ao seu par. Que pena! Foi-se a chance de um amor verdadeiro, recíproco, de valorização do companheirismo.
   A fase dos jogos acabou a tempos e você ainda persiste em jogar, com medo da entrega e da nudez necessária na doação do amor.
   Eu insisto em viver um amor que valha a pena. Alguém que compartilhe comigo não apenas o usual, a rotina de uma relação, mas que goste das mesmas coisas que eu e nós nos complementemos. Isso não está acontecendo com a gente e eu acho que estou recebendo pouco.
   Você não gosta de dialogar, você não gosta de dançar, você não é romântico. Você tem grandes qualidades de um homem, eu sei, mas as que são básicas. Onde está o homem que batalha pela relação ser prazerosa a dois?
   Eu não sei mais se te amo. Nestes últimos anos venho buscando valorizar o que você pode me dar e como eu acho pouco, vivo infeliz, mais triste, menos empolgada pela vida. Resolvi dar um basta e tentar uma vida diferente.
   Hoje em dia, apesar do pouco tempo que tenho, pois com o envelhecimento a nossa contagem é regressiva, quero viver em paz; não junto com alguém (você), mas triste. Almejo conhecer alguém, almejo sim. Mas se não acontecer, eu não vou ficar me culpando de não tentar.
   Quanta dificuldade você tem de dizer que sou importante para você. Você não diz e quando diz, faz o mínimo necessário. Não se percebe sentimento na evocação.
   Você quer que eu perceba o amor nas suas atitudes como marido, com sua presença, seu apoio; isto é o básico, do básico. Você se preocupa com as coisas tradicionais, banais de uma relação. Eu quero ir mais fundo, quero significação, quero alguém com quem conversar, alguém para dançar, alguém com desejos mais soltos, mais à flor da pele. Alguém mais leve, que se permita à expressão.
   Sei, você vai dizer que isso tudo que cobro de você eu também não dou. Você sabe que não é verdade, sempre expressei meus desejos e me entreguei autenticamente e, se a nossa relação desgastou-se, foi principalmente por eu ter percebido que  dar nem sempre é receber de volta. Não ouve investimento seu para a relação crescer em profundidade, em doação.
   E essa carência está me sendo cobrada, por mim mesma. E só de tomar a atitude para a mudança, já me sinto mais feliz pelas perspectivas.
   Sinto muito não estar satisfeita com o que você consegue me oferecer. Talvez você encontre alguém menos exigente, que goste do óbvio.
   O pedido de divórcio foi a gota d'água, foi a percepção de ter perdido a esperança de termos uma verdadeira relação a dois. Compreendi que viver esse marasmo ao qual vivo hoje junto com você, é preferível me lançar ao mundo com o que ainda me resta de emoção, de sentimento.
   Separemo-nos..."

   Eu achei que a carta dava uma dimensão parecida com o poema do Carlos Drumond de Andrade, a da complexidade e exigência feminina. Até acho que muitas coisas que ela diz, eu gostaria de falar... Você gostaria de falar... Êta homens que não compreendem o nosso universo feminino, heim!!!  

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